sábado, 26 de abril de 2008


Apesar de mais de 15 anos no dia-a-dia do hip-hop, nem sempre dá pra acompanhar os trabalhos dos grupos de rap. O Facção Central é um desses grupos que somente agora comecei a conhecer melhor. Isso de um ano pra cá, quando conheci uma pessoa muito fã do grupo e que começou a me passar aos poucos as músicas que não tocavam sempre nas rádios, a discografia, e tudo mais.
Foi a partir daí que me surgiu à idéia de tentar conversar e fazer um bate papo com o manos do Facção. Pois muitas vezes ouvi comentários positivos e negativos do trabalho deles, mas poucas vezes tive a oportunidade de ouvir a parte comentada, o próprio Facção Central.
O parceiro Nuno Mendes apresentador do Espaço Rap na 105 FM foi a ponte para que eu chegasse ate a Fátima, responsável pela agenda e organização administrativa do grupo. De forma muito atenciosa e receptiva, ela agendo a entrevista. Liguei para o Nuno Mendes e junto com ele formulei a entrevista para que ficasse diferente, atrativa e agradável, para o entrevistado, entrevistador e para o leitor.
Infelizmente na data marcada dia 26 de março o parceiro Nuno não pode me acompanhar, mas pra firmar a agenda segui em frente e procurei representa, segui até Zona Sul e as 17:00 hs estava em frente a casa do Eduardo, local combinado pela Fátima. Na chegada fui recebido pelo André, rapper do grupo A.286, na seqüência pelo próprio Eduardo. Ele me apresentou os manos que estavam presente na casa e a própria Fátima que ate então só havia falado por telefone.
Infelizmente por motivo de força maior os demais integrantes do Facção Central não estavam presente. Mas o Eduardo que é como um porta voz do grupo, se encarregou de representar e tal. Na TV da sala estava iniciando o Jogo Brasil X Suécia amistoso que celebrava a conquista do Mundial de 58. Depois de alguns comentários sobre futebol onde Eduardo comentou ser Corinthiano, deixamos a TV de Lado e iniciamos a entrevista que você confere com exclusividade ao Hip-Hop a Lápis.
Beto: Como surgiu o Facção Central?Eduardo: Desde 88 eu já cantava e freqüentava os bailes e tal. Mas rap mesmo eu comecei curtir quando eu ouvi uma fita do Thaide, que veio por vias tortas e tal. Meio complicado isso! Veio num gravador que um truta meu roubo tá ligado!? Ele falou: “Ai tio! Tem uma fita ai dum mano cantando rap”. Eu ouvi e falei “pô isso aqui e dá hora!” Ai eu perguntei como é que faz rap e tal, como que é isso ai? E falou, “Você tem que rimar o final de uma frase e tem que ficar igual a outra”. Eu disse “Haa, mais ou menos assim...” Ai ele disse “Pô mano! De onde você tirou isso?”. “Não isso eu fiz agora mano” e ele falou “Poxa você tem o Dom e tal...” Então a partir dali, de 88 em diante eu comecei cantar e em 89 por ai, comecei a ter contato com uns manos que acabaram se tornando a banda em 90. Só que ai a formação foi mudando e sempre eu e o Dum Dum permanecemos.
Beto: E já começou com o Nome de Facção?Eduardo: Eu já tive outros grupos que eu não lembro o nome, mas é coisa de molecada. Quando você vai começa um grupo de rap você não imagina a dimensão que vai tomar, ta ligado!? você é muito jovem, nem pensa em ganhar dinheiro. O que você quer é colocar sua musica no radio. Teu sonho é que os cara te reconheçam e tal. Nós estávamos dentro dessa intenção. Escrevendo uma musica ali, tentando gravar aqui, até que em 92 nos conseguimos fazer uma primeira coletânea e tal, ai veio vindo...
Beto; E de lá pra cá, nesta caminha qual sua avaliação. O que mudou, melhorou piorou, tipo um antes e depois?Eduardo: Uma coisa é você escrever um disco quando você é menor de idade tem 16, outra é escreve com 22, ou com 25 quando você é pai. Hoje com 32 uma outra visão então a cada disco esta dentro de um momento. Tem disco que você tava meio deprimido porque morreu um parente, tem disco que tava preso um mano seu e tal. E tudo isso influencia na hora que você vai escrever.
A cada CD que eu tava escrevendo eu tava tentando buscar o que tava a minha volta, buscando evoluir, buscando ler mais, me informar mais. Porque você começa a sentir a responsabilidade, você querendo ou não querendo. Então a partir do momento que você se informa mais, que sabe da necessidade e a carência da favela em ter acesso ao livro. Ter acesso a uma cultura de verdade, então se você tem este acesso, você absorve e coloca prus manos então foi isso que nos procuramos fazer.
Beto: O ano de 2003 me parece que foi um dos anos picos do Facção onde vocês tiveram premiações, destaques e tal ou não foi bem assim?Eduardo: Não, eu não considero muito. Sinceramente eu acho que premiação é até valida porque de repente estimula os grupos a fazer um disco melhor porque ele sonha em ganhar tal prêmio. Mas a premiação de verdade a gente já tinha quando ia cantar na favela, na periferia, e é o publico fala: “mano agora ta da hora!” ou então, vem um cara tatuado com o nome da banda, um cara vestindo a camiseta. Isso pra mim funcionava como uma premiação, entendeu!? Mas é claro, você ouviu muito falar de Facção quando foi processado é obvio. Mas não vou atribuir, de repente, a ascensão do Facção a isso. “Agora quando o Eduardo escrever ele vai chegar na moral porque foi processado, os caras foram preso e pá. Agora os cara vão vir tremendo”. Mas foi ai a hora que eu falei não mano, a ideologia é essa, essa, e essa.
O boy já tomô tudo da gente, ele não vai chega aqui e também tomá meu cérebro. Então a partir do momento que nois, intensificamos aquilo que a gente pensava. Foi a hora que os cara começou a entender. “Pô ali dá pra confiar, porque o mano mesmo processado, mesmo censurado e perseguido os cara mantiveram a opinião, bateram o pé.”
Beto: Tem alguma conquista ou algo muito importante e especial na carreira?Eduardo: Mano eu acho que a conquista foi você entrar num bagulho descompromissado e de repente para alguns manos se torna praticamente uma religião. Isso é uma conquista, porque financeiramente você não vai ficar rico ainda mais cantando o que a gente canta. A TV num quer ouvi o que você tem pra dizer, entendeu!? Muitas rádios num tocam, e muitas rádios ate tocam, mas você quer tocar tal musica e eles dizem, “não essa é muito violenta toca essa” Então você tá dentro de um ritmo marginalizado sendo um grupo marginalizado do ritmo. É complicado! Você tem que saber enxergar este tipo de conquista. Pô entrei em vários corações, ta ligado!? Que eu jamais imaginei, quando eu parei pra escrever o som. Era só pra parar pra dar um autografo, ouvir o som no radio e hoje o bagulho ficou muito maior do que eu podia imaginar.
Beto: Nos roles que a gente faz por ai, nas viagens, nos eventos atá mesmo em outros estados. Agente percebe um certo diferencial no fãs do Facção. Tipo num é só fã, é fanático tá ligado!? Vocês também sentem isso?Eduardo: Sim eu vejo, o cara que curte rap, curte todos. O cara que curte Facção, é o Facção e mais um ou outro entendeu!? Não que seja o melhor, de repente até aprecia musicas de outras pessoas. Mas eu percebo que é uns cara que se informa, contesta procura saber. No show normalmente você imagina o cara que quer tirar uma foto e tal e os cara quer debater, que saber o porque, o que você disse. Então eu vejo um publico preocupado com o que tá consumindo, num é uns cara que ta ali alegre de chapéu, aceitando tudo que tá sendo falado. Tem grupo que quando, de repente, faz sucesso. Tudo que ele escreve vira lei. Hoje num é bem assim. Mesmo você tendo uma admiração, um sucesso, mas tudo que você escreve sempre é contestado, os cara sempre quer entender, saber porque é, porque foi.
Beto: E comum os manos querer ouvir o CD mas num tem a grana pra compra e tal mas hoje você já tem também o lance da Net, MP3 e tal, e a pirataria que vem junto com tudo isso, qual a sua opinião sobre este mundo multimídia?Eduardo: Meu é tipo assim, o cara acredita que com a pirataria ele ta salvando o tiozinho da barraca, só que ele num entende o que ela ta matando.
Porque na verdade eu vejo inúmeras bandas, que tem um puta talento e não vão chegar, e não vão ser reveladas. Ele sabe que não vai vender CD, ele sabe que tem o custo da radio, da divulgação, da fabricação... só que na hora que ele quiser ter o retorno do dinheiro que foi investimento, num vai acontecer, porque a pirataria vai consumir. Então você já ta matando a banda que vai chega, que com essa banda ia ter o técnico de som, o iluminador, gerar vários empregos. Na raiz você já tá eliminado uma pá de talento que ia ta chegando.
Beto: Vamo fala um pouco da pessoa do Eduardo, em perguntas Rápidas, um bate bola:- FamíliaTudo né mano é o centro de tudo é o que te motiva a caminhar pelo lado certo.- DEUSTenho minhas duvidas, tem dia que eu acredito, tem dia que não. Algumas vidas você sente abençoadas outras você se pergunta, por que aquela provação? Complicado vai do dia, tem dia que você ta com mais fé, tem dia que é menos.- Uma alegriaA Família né mano a família e também o rap que só me trouxe alegria. Mas a família sempre vem em primeiro lugar.- Uma tristeza EduardoTristeza eu tive várias, tive uma pá de parente que já morreu.- A última vez que você chorouA última vez que eu chorei, foi no ano passado quando a Fátima tava grávida. E ai era o menino, que eu sempre esperei, e ai morreu com quase oito meses.- Um sonho...Mano, ver o rap no devido lugar que ele merece, sinceramente não tenho nenhuma pretensão de ser milionário. Mas é como eu disse no inicio, o que eu esperava do rap ele me deu em triplo. Sucesso pra mim não é estar na tv, por mais que eu ache que a tv é nossa por direito. É uma mídia que é nossa, mas eu não tenho este sonho de encher um estádio ate porque quando você enche estádio 99 % ali veio porque você está na tv, porque você tá divulgado, entendeu!?
Beto: Hoje o hip-hop está inserido em vários processos de produção. Na musica, na moda, no entretenimento, no campo sócio-cultural, e até mesmo montando pequenos negócios, qual sua visão sobre isso? Eduardo: Isso é uma conseqüência natural, entendeu!? Eu acho que o lado social dele é na hora que você ta escrevendo sua letra e isso não deve ser prostituído.
Claro que na hora que você ta fazendo um evento você tá pagando a banda, alugando uma casa, pagando segurança... Então você tem um custo, você teve um trabalho e merece receber por isso. Então tem que saber enxergar, não é porque o rap é uma musica de protesto, uma musica que a essência dela é reivindicar melhorias pra periferia. Que o CD tem que ser dado de graça, que o baile não pode ser cobrado, entendeu!? Isso não é se vender. Se vender é a maneira de pensar, a maneira de escrever...
Você tem que saber ganhar o dinheiro pra empregar este dinheiro no lugar certo.
Beto: Eu estou trazendo para você o livro Hip-Hop a Lápis e o DVD É Tudo Nosso! Você disse que já assistiu o vídeo, através de uma copia pirata, que chegou primeiro que eu. Então faça um comentário sobre o que viu e o que achou?Eduardo: Totalmente valido! Achei totalmente verdadeiro, até porque não se preocupou de repente, em dar voz ao cara que tem um CD gravado, ao cara que faz show, ou que tem um destaque. Na verdade a preocupação pelo o que eu senti aqui é mostrar o verdadeiro hip-hop, esquecido lá do fundão do nordeste, lá em Minas, no sul.
Então eu achei que foi democrático todo mundo teve voz, todo mundo falou o que quis e o rap é isso. É a liberdade de expressão, por mais que a nossa seja totalmente marginalizada.
Aqui vocês trabalharam desta maneira, e eu acho que a verdade tem que estar sempre em primeiro lugar e foi o que eu vi aqui.
Beto: Dos trabalhos atuais do Facção Central, como anda os projetos, o que é que ta na rua e tal?Eduardo: Agente ta trabalhando nosso CD, é um CD duplo com 24 musicas. A minha preocupação não é só o cara curtir, dançar, é ele entender o que eu escrevi. Porque mano, a carne um dia vai pro cemitério e já era, agora a obra é imortal. Então muitas vezes o cara ouve o CD e ainda nem compreendeu o que você quis dizer, entendeu!?
Eu não mastigo letra pra ninguém não, e é como eu sempre falo prus manos, “Se um cara com a 5ª serie escreveu, você tem por obrigação tenta assimilar e tentar compreender.” E os mano diz: “Pô mano, eu tive que ir no dicionário ver tal bagulho pra entender. Então na verdade eu tô estimulando a literatura, estimulando o cara a pensar um pouco mais, porque, e isso é o que acontece.
Beto: Pegando um gancho ai sobre esta questão de consciência dos manos e tal. Hoje tem vários parceiros do hip-hop atuando no campo social e político, você acha que isso é viável? Eduardo: Claro que é viável, é o que eu tento sempre passar prus cara. Não existe apolítico, num tem como. Você respira política, tudo é política, entendeu!? A periferia vive a política, a guerra que existe aqui é política, então não tem como você se omitir.
Claro, você vai sentir a política de que maneira? Por mais que o cara fala a moeda tá forte, o mercado tá isso e aquilo. Você vai sentir mano, que o cara tá desempregado, a violência continua, as pessoas tão morrendo, os mano que você vê que quando tem acesso a escola eles terminam o ensino fundamental, o ensino médio, mas não sabem escrever o próprio nome. Não vão entrar numa faculdade, então você vai sentir a política desta maneira. Esta é a política que o povo sente é a mesma que a gente vê. E a mesma que a gente analisa. Porque por mais que diga “Haa! O fulano, siclano ele ta fazendo um governo socialista, um governo populista, ele trabalha com o povo” E na verdade você não vê isso, isso é só ilusão.
Beto: Circula um boato que o Eduardo vai fazer um trampo solo, e que por isso o Facção vai acabar, qual que é a real disso tudo?Eduardo: Eu tenho vários projetos, mas ainda não tem nada decidido se eu vou fazer um solo. Agora é natural que você tenha varias visões, outras coisas que você queira cantar, entendeu!? O que eu sempre falo prus cara é que eu não prometi nada pra ninguém entendeu, o dia que eu falei que era imortal é porque era, se hoje num for mais, não vai ser mano.
Beto: Manda uma idéia prus manos da Nação Hip-Hop e pra galera que fortifica o Hip Hop a Lápis.Eduardo: Mano, continuar perseguindo o rap verdadeiro. Continuar pela verdade que este é o caminho, e isto tem que ser o objetivo. Porque mano não adianta você querer camuflar a situação pra vender um produto pro público que não quer assimilar. Muito cara fala pra mim “Óh mano! Teu rap é violento e tal não vai chegar de repente no ouvido do playboy que deveria consumir” Eu Falo: “Mano! Ele chega aonde ele tem que chegar, nós temos que entender que isso é uma troca de informação entre nós. É a nossa cultura, é a nossa ideologia, é o nosso estilo de vida.” É tipo assim, um playboy vai olhar o DVD e falar: “Pô mano, uma pá de maloquero, falando uma pá de merda! Esse bagulho de ladrão e tal...! E na verdade nós sabemos a importância do trabalho e a revolução que ele pode tá conseguindo fazer na periferia. Entendeu? É isso!
Terminamos a entrevista. Agradeci ao Eduardo toda a atenção com a equipe do Hip-Hop a Lápis. Entreguei a ele um exemplar do DVD É Tudo Nosso! e do Livro. E pedi pra que ele socializasse o material pros outros manos e tal. Ele não perdeu tempo e me convocou para estar no dia seguinte na festa no Maria Maria. Com o Facção Central, Realidade Cruel, A.286 e Detentos do Rap. No dia seguinte estávamos lá, subimos no palco e pudemos antes do show do Facção falar e sortear o DVD.

quinta-feira, 3 de abril de 2008


O grupo foi formado em 1989, na região central de São Paulo (Glicério, Cambuci e Ipiranga), sendo inicialmente integrado por Nego (hoje conhecido como rapper Mag), Eduardo e Jurandir. Nego e Jurandir deixaram o grupo, sendo substituídos por Dum Dum e Garga, que se juntaram a Eduardo e iniciaram as atividades do grupo. De 1997 para 1998 Garga saiu do grupo e Erick 12 chegou para somar, mas em seguida deixou o Facção Central (FC) e hoje apenas produz o grupo.
Nascidos e criados em cortiços, os componentes Eduardo (compositor/intérprete) e Dum Dum (intérprete) conviveram desde a infância com violência social, tráfico de drogas, vícios, violência policial, delegacias e presídios. Um passado violento transformado em fonte de inspiração e traduzido em composições contundentes que relatam a realidade cotidiana das camadas mais baixas da sociedade, além de criticar duramente aqueles que, na visão do compositor Eduardo, seriam os causadores dos problemas discutidos nas letras das canções.
Ameaças policiais por telefone, censuras de algumas rádios, prisões pelo conteúdo de algumas letras e até mesmo a proibição de veiculação na televisão brasileira do videoclipe Isso aqui é uma Guerra, considerado pelas autoridades como apologia à violência, são algumas das consequências decorrentes da postura do grupo Facção Central.

Eduardo Taddeo é filho de uma faxineira que teve quatro filhos em dois casamentos. Seu pai, descendente de italianos e empresário da noite, era casado com outra mulher oficial, mas dava assistência. Ele me mostrou meia dúzia de fotos da festa de seu primeiro aniversário. Houve bolo, mesa de doces e refrigerantes, servidos para pessoas alegres, que vestiam roupas de festa. O pai, de terno branco, o carrega no colo, ao lado da mãe. A casa alugada da foto era no Glicério, bairro antigo e popular do centro de São Paulo, conhecido pelos cortiços e pela pobreza. O rapper conta que as dificuldades se agravaram com o afastamento gradativo do pai. A mãe e os quatro filhos moraram em pensões, com banheiros coletivos. Aposentada por invalidez, com o mal de Chagas, conta o filho, “às vezes ela pedia esmola ou cesta básica na igreja”.
O líder do Facção estudou em escola pública até a quinta série do ensino fundamental. Era tímido e, míope, tinha vergonha de usar óculos. Usava tênis velhos e roupas surradas. Em casa, a comida era sempre menos do que ele queria. “Às vezes, só tinha arroz e o feijão era aquela água”, lembra. Ajudava a mãe pegando frutas e legumes nos fins de feira. Ganhava um troco tomando conta de carros. Na rua, assistia a cenas do crime: tráfico, furtos, roubos, prisões, violência. “Eu via os caras com tênis novos e queria ser criminoso”, conta. Começou aos 7, furtando um toca-fitas e roubando dólares de um japonês. Uma vez, foi parar na delegacia para averiguação de furto em um supermercado. Saiu sem maiores conseqüências. Com 9 anos, diz, já “andava com os caras”, levando e trazendo armas. Odiava álcool. Ia de benzina, maconha e cocaína. Experimentou crack. Com 16 anos, fez assaltos à mão armada.
“Foi um furto do Equipado que me salvou”, relembra Taddeo. Equipado vinha a ser um namorado de sua irmã, um pouco mais velho. Ganhou o apelido porque ia para a escola cheio das tralhas. O furto era um gravador com uma fita k-7 que trazia a música “Corpo Fechado”, dos rappers Thaíde e DJ Hum, que Taddeo escutou. “Aquilo me pegou”, ele conta. “Era uma coisa de falar rimando, que eu achei que podia fazer. Escrevi uma letra, mostrei para o Equipado, e ele disse que eu mandava bem. Daí não parei mais.” O primeiro grupo que ele formou, no fim dos anos 1980, chamava-se Esquadrão Menor. Era integrado por moleques de rua. Dum-Dum era um deles.
Como seus dois primeiros discos não venderam bem, Eduardo Taddeo aceitou o convite do sogro, maître do Hotel Hilton, na Avenida Ipiranga, hoje desativado, e passou dois anos lá, como ajudante de cozinha. Lavava louça, limpava o chão, carregava gelo. Já morava no Grajaú, e continuava a compor. Os primeiros quinze minutos de fama chegaram no ano 2000, quando a Justiça paulista censurou a exibição do videoclipe Isso Aqui é uma Guerra, na MTV, que acatou a censura. A música está no terceiro CD, Versos Sangrentos, de 1999. É a dos versos:
É UMA GUERRA ONDE SÓ SOBREVIVE QUEM ATIRA QUEM ENQUADRA A MANSÃO QUEM TRAFICA INFELIZMENTE O LIVRO NÃO RESOLVE O BRASIL SÓ ME RESPEITA COM UM REVÓLVER
No clipe, Eduardo Taddeo e Dum-Dum protagonizam dois bandidos que seqüestram e matam — mas ao final se dão mal, com a vitória da polícia. A censura foi registrada pela imprensa, inclusive a da televisão, e Taddeo e Dum-Dum aproveitaram a repercussão para divulgar suas músicas. Houve um inquériro, mas não deu em nada. No cd seguinte, A Marcha Fúnebre Prossegue, de 2001, Taddeo se referiu à censura com refrões de protesto, que até hoje ele repete nos shows, como:
PODE CENSURAR, ME PRENDER, ME MATAR NÃO É ASSIM, PROMOTOR, QUE A GUERRA VAI ACABAR

Dum-Dum é Washington Roberto Santana. Tem 38 anos e 1,80 metro de altura num corpo musculoso e esguio. “Todo mundo acha que o meu apelido é por causa da bala, mas não tem nada a ver”, explica. “Foi a minha avó que colocou, por causa de um negrinho personagem de um gibi.” Filho de doméstica com pai que praticamente não conheceu, foi criado no bairro do Cambuci. Morou em cortiços, estudou até a quinta série e cedo pegou no pesado. Com 11 anos já tinha feito carreto, entregado jornal e trabalhado numa fábrica caseira de martelos, colocando os cabos. Passou a trabalhar em feira livre, limpando peixe. Pegou gosto e foi peixeiro, até os 17, sempre em feiras. Depois, se tornou ajudante numa empresa que produzia fotolitos, e faliu. “A única opção que vi foi vender drogas, entrar para o tráfico”, conta. Dum-Dum virou traficante. Fumou e cheirou toda maconha e cocaína que pôde. “Crack, nunca”, diz. Foi preso em 1996, passou três meses na cadeia pública de Pinheiros, período em que nasceu sua filha, sobrinha de Eduardo Taddeo. “Saí da cana com outra cabeça, voltado só para fazer o certo”, afirma. A Justiça o absolveu, por falta de provas. Parou de usar cocaína. Ele caiu no rap de vez ao ver um show dos Racionais MC’s. “É isso que eu quero pra mim”, decidiu, na frente do palco. A primeira formação do Facção Central nasceu com ele, mas sem o cunhado, que entrou depois. “Se não fosse o rap eu não estaria vivo”, diz Dum-Dum. “É a minha vida e o meu sustento.” Ao contrário de Taddeo, sua cultura musical extrapola o mundo do rap. Ele gosta de Billie Holiday, Nina Simone e Aretha Franklin. Dum-Dum tem uma Nossa Senhora Aparecida e uma escrava Anastácia tatuadas no braço direito, a palavra Facção no esquerdo, e o focinho de um pit bull na perna direita.